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Imagem: Google Imagens/Reprodução |
Cora: lições de
comportamento feminino na Bahia do século XIX
Autor(a): Adriana Dantas Reis
Editora: FCJA; Centro de Estudos Baianos da UFBA
Páginas: 262
Gênero: Ciências Humanas/História/Gênero/Educação
Ano: 2000
Sinopse: Cora, filha de
um professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. José Lino Coutinho
(1784-1836), recebe as lições do seu tempo. Cora, belo nome, casa aos 15 anos
com Francisco Pereira Sodré, futuro barão de Alagoinhas, e tem 11 filhos. As
cartas do seu pai podem ser uma lição, até hoje, dependendo da ótica do leitor.
A ampulheta é outra. A educação também. Dentro da bibliografia de estudos sobre
gênero no âmbito da história social, este é um livro importante.
Opinião: Em Cora:
lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX, a historiadora
Adriana Dantas Reis procura vislumbrar aspectos da vida cotidiana privada e
pública das mulheres da elite baiana durante o século XIX. Utilizando vertentes
da História Cultural e Social, através de diversas e interessantes fontes
primárias disponíveis, assim como periódicos, relatos de viajantes, teses de
medicina, documentos da Câmara, testamentos, inventários, certidões de óbito,
batismo, processos-crime, livro de tabeliães, a autora descreve os costumes,
hábitos e práticas educacionais das mulheres das elites baianas, baseando-se em
aspectos culturais como o cotidiano, representações e imaginário na Bahia
oitocentista.
Com
o objetivo de destacar pontos importantes acerca das práticas culturais,
analisar as condutas sociais e educacionais, bem como direcionar linhas de
pesquisas atuais sobre as mulheres na Bahia do século XIX, esta obra da historiadora
de gênero, escravidão, mestiçagem e mobilidade social descreve, entre outras
coisas, o que a elite luso-brasílica (colônia) e imperial (pós-independência)
pensava a respeito das condutas sociais das mulheres baianas do oitocentos, seus
costumes e práticas educacionais, o que a elite patriarcal propunha para sua
educação, como agiam e lidavam com esses modelos de educação. Organizado em
quatro capítulos, o livro é satisfatório quanto às elucidações mostrando a
importância dos estudos de Gênero e Educação, ao abordar temas até recentemente
pouco explorados e a preocupação em estratificar a variada gama de mulheres
tentando não generalizá-las.
O primeiro capítulo, “Cenários e costumes da
elite feminina no século XIX”, relata os espaços de sociabilidade e costumes
das mulheres da capital da Bahia, Recôncavo e Sertão. Utilizando os relatos dos
viajantes estrangeiros, a autora descreve como essas mulheres eram vistas pelos
europeus – até então, modelos exemplares de civilidade e higiene – no que
concerne às condutas sociais, costumes e práticas culturais. Analisa também
como a vinda da Família Real portuguesa e a Corte influenciaram no
comportamento das mulheres das capitanias do Rio de Janeiro e Bahia,
disseminando e influenciando quanto aos costumes europeus que, como foi
ressaltado anteriormente, eram os modelos de civilidade e higiene. Além do
início do século XIX, a autora apresenta os espaços das mulheres durante o
Primeiro Reinado, Segundo Reinado e as mulheres da elite do Recôncavo e Sertão baiano,
espaços de extrema importância para a compreensão da dinâmica social, política
e econômica da Bahia, e onde as mulheres envolviam-se com mais altivez.
Em “Padres, médicos e as novas formas de
sociabilidades femininas”, o segundo capítulo, o autora relata as
representações católicas e modelos de conduta feminina propostas pela Igreja
acerca das mulheres que predominaram na cultura ocidental e, consequentemente,
na América portuguesa e século XIX (é inequívoco afirmar que até os dias atuais
também!). Além das representações e propostas sócio-educacionais, a autora
descreve as permanentes intervenções da Igreja quanto às mulheres no que
concerne ao combate dessas novas formas de sociabilidade feminina praticadas
espontaneamente pelas mulheres e com influência das proposições realizadas pela
elite patriarcal ilustrada. Uma dessas intervenções foi a inserção das Irmãs de
Caridade na sociedade baiana, que tinham como objetivo difundir preceitos
católicos a fim - de acordo com a Igreja e parte da elite - de melhorar a
educação feminina. Não foi apenas a Igreja Católica que buscou disseminar
hábitos entre as mulheres baianas, de acordo com a autora, mas também os
médicos que, com os modelos higienistas europeus, tentaram interferir na
conduta feminina com o intuito de construir uma mulher civilizada, mulher esta
que deveria ser o modelo desse Estado brasileiro e Estado Imperial em voga no
início e durante o século XIX.
Além da intervenção de médicos e da Igreja
Católica, a elite patriarcal (grupo social no qual os médicos também estavam,
em parte, inclusos) também pensava e propunha modelos de educação para as
mulheres, é o que a autora relata no terceiro capítulo do livro: “Como educar
uma filha de acordo com o progresso do século?”. Neste capítulo, a autora
aborda e analisa um modelo de educação ilustrada proposta pela elite ilustrada
baiana, que visava uma educação livre do modelo opressor de então (a Igreja) e
de acordo com o modelo civilizatório e higiênico europeu. Neste capítulo a
autora apresenta “Cora”, mulher da elite baiana que dá título ao livro e que
teve uma educação de acordo com esse modelo europeu visado pela elite baiana.
Cora, filha do ilustrado, médico, deputado e maçom José Lino Coutinho, é
educada por uma preceptora de acordo com o modelo europeu proposto em cartas
que direcionavam-na em diversas fases de sua vida. Ainda de acordo com as
análises da autora, essas cartas não deveriam ser apenas para sua filha, mas
servir como modelo para as demais mulheres da elite baiana.
No quarto e último capítulo do livro, “O
debate em torno das Cartas sobre a educação de Cora”, o modelo de educação
baseado nos princípios europeus são analisadas mais aprofundadamente. De acordo
com a autora, essas cartas foram influenciadas pelos ideais iluministas, que
tinha como objetivo proferir, entre outros, uma educação que promovesse a
erudição para que as mulheres pudessem educar os filhos e acompanhar o marido.
A autora relata também a recepção positiva e negativa das Cartas por meio da
imprensa, através de periódicos de cunho religioso, conservador, liberal e
publicações escritas por outros médicos e estudantes de medicina. As Cartas
causaram grande polêmica e discussões fervorosas não apenas por meio da
imprensa, mas também nos ambientes (cafés, salões, redações dos periódicos,
tipografias, teatros, etc) em que esses intelectuais socializavam.
A excelente pesquisa da professora e
historiadora Adriana Dantas Reis mostra-se interessante ao vislumbrar aspectos
das práticas culturais das mulheres baianas do século XIX. Os estudos de gênero
na Bahia, à época em que a pesquisa foi realizada e concluída, precisavam (e
ainda precisam) de pesquisas aprofundadas e contundentes como a que foi
realizada pela professora. Dos anos 2000 até hoje, as pesquisas e o interesse
acerca do estudo das mulheres, e pelos estudos de gênero em si, aumentaram
consideravelmente. O livro aborda o cotidiano, costumes, hábitos e a educação
das mulheres ao longo do século XIX através de uma vasta documentação;
documentação esta analisada e utilizada de forma bastante lúcida,
principalmente as Cartas sobre a educação
de Cora que representa bem o modelo de educação feminina promovido pelos
ilustrados e o Estado Imperial. Porém, o grande recorte temporal feito pela
autora deixa a desejar, uma vez que as práticas sociais, em qualquer tempo e
espaço, são extremamente complexas e necessitam de uma análise aprofundada para
que equívocos e generalizações não sejam cometidas.
Para exemplificar,
no primeiro capítulo, a autora descreve os espaços e costumes da elite feminina
em quatro tempos: no início do século XIX, após a transferência da Corte, no
Primeiro e Segundo Reinado de forma relativamente breve e objetiva. Talvez a
autora tenha alargado o recorte temporal devido a uma possível ausência de
fontes específicas sobre o tema, mas esta abordagem às vezes torna a leitura
(principalmente para o público leigo) e compreensão do período um pouco
confusa; a autora também intercala esses quatro tempos nos outros três
capítulos transmitindo, em determinados momentos, a mesma sensação. Talvez
fosse mais escrupuloso delimitar um recorte temporal específico, reduzindo um
século inteiro para uma determinada quantidade de décadas.
O livro pode ser
utilizado para a compreensão da origem e história das práticas culturais e
educacionais das mulheres na Bahia. Bem como da história e origem do machismo,
misoginia, preconceito e desigualdade contra as mulheres. Pode ser utilizado
para uma análise histórica e reflexão dos vários tipos de violência contra a
mulher - lembrando que o período abordado é o século XIX, tempo não muito
distante do atual e que, infelizmente, ainda existem muitas permanências.
Faz-se refletir acerca dos direitos sociais, políticos e civis das mulheres de
uma sociedade ainda patriarcal, elitista, segregadora e preconceituosa.