domingo, 12 de abril de 2009

Ilustrando Devaneios - Dominique

Faz mais de vinte e quatro horas que não o vejo. Sinto o cheiro da água da chuva, que caiu na sexta-feira passada, misturado com a ferrugem do portão. Lembro de ter que fazer os exercícios da página cinqüenta à cinqüenta e seis do livro de português para entregar na segunda que vem, e, ainda ouço, há quarenta minutos, a empolgante Fly On The Wall sem parar na minha cabeça. Mas não o vejo, em nenhum canto dos meus esquisitos pensamentos vejo o cara que fitava intensamente, sem se importar com nada à sua volta, a densa camada de água que caía sobre sua metrópole. Só o vi duas vezes, ontem e em um sonho que tive há algum tempo.

Seis minutos depois, ao som de Poppin' Champagne, uma voz - agora irritante - me faz ficar alerta.

Dominique, Dominique... tá me ouvindo?

- Ah, oi. Desculpe, o que disse? - perguntou.


Dominique? É esse o nome do estranho aparentemente individualista? A voz de "Dominique" não me é famíliar.

- Não disse nada, é justamente isso que gostaria de falar. Olha, só nos conhecemos há poucas semanas mas depois daquela confusão com...

- Eu sei como nos conhecemos Margari, não precisa me lembrar. - ele diz numa voz monótona. Eu ri, ele é meio esquentado.

- Não precisa ser grosso, é que só queria ajudar e parecia que você queria alguém pra conversar então... - sugeriu Margari.

- Não preciso de ajuda. - ele a deixa parada, estática, com tamanha falta de cordialidade e segue a passos rápidos para longe da mulher curiosa de voz irritante.


O corredor é extenso, espelhos de todas as formas e diversos tamanhos prenchem as paredes de tom pastel. Das três portas ele entra na última a batendo ruidosamente. Margari - até então esquecida por mim - vai até a porta e o ameaça dizendo que se não abrisse ela chamaria reforços e a porta iria ao chão. Me questiono sobre a relação, tanto antes como durante a tal confusão, dos dois. Eles não se conhecem há muito tempo, logo, ela não é irmã nem da família. Ele exagerou quando quis deixar claro que não era problema dela o fato dele não estar prestando atenção enquanto conversavam. Então, namorados eles não são.

Me frustra o fato de não poder entrar na minha imaginação, ah é, se isso fosse mesmo minha imaginação eu estaria lá sim, entraria e sairia daquele pequeno apartamento e perguntaria - ou tentaria - a Dominique o porque dele ser quieto e pensativo. Provavelmente algum trauma de infância, problemas com a família ou no seu relacionamento amoroso, no trabalho, com esses vizinhos, vai saber. Ou pode ser a tal Margari, ela parece ser daquele tipo que tentar ajudar as pessoas apenas para saber mais da vida alheia, assim como fazem suas vizinhas idosas.

Ilustrando Devaneios

Tenho a sua atenção? Obrigada.

Tento contar uma grande história mas só saem pequenos trechos, tenho escrever pequenos trechos e só saem algumas frases, há pouco tentei pequenas frases e relatei devaneios que na verdade são memórias irreais. A complexidade das minhas anotações não é incoerência, acredito que mudanças constantes de humor e pensamentos que tanto afligem pessoas como eu, se isso tiver nome, se assemelha a bipolaridade.

Para provar tamanha descrença que provavelmente você terá após ler esse pequeno parágrafo, eis um pequeno relato:

Neste exato momento, em algum lugar muito distante da minha sempre criativa imaginação, um certo alguém que não consigo identificar está sentado sobre o parapeito de uma antiga janela num dia nublado contemplando a densa camada de água que cai sobre sua grande metrópole. Ele(a) sente-se sozinho(a), como se fosse o único ser vivo na superfície - pelo menos até onde sua vista alcança -, e, embora esteja rodeado de vizinhos e conhecidos que preparam uma festa de boas vindas para o amigo de algum deles, ele(a) não se importa, afinal só será mais um que passará momentaneamente quase despercebido na sua vida. Ele(a) sabe que o sujeito que está se mudando para casa do seu conhecido só mora há duas ruas dalí e que, à essa altura já sabe da tal festa, graças as fofocas daquelas tão comuns senhoras que não conseguem preservar um segredo até a hora em que avistam algum inocente ou à alguma outra de sua espécie.

Ouve seu nome ser chamado e olha na direção da bela moça que sorri amigavelmente. Agora o reconheço, ele esteve em um dos meus sonhos, chega a ser patética a minha conclusão, mas se ele está em um ponto fixo da minha mente é porque já o vi em algum lugar, mesmo que em algo tão simbólico quanto um sonho. Ele não sorri, não demonstra nenhuma emoção, só diz numa voz monótona "Quer a minha ajuda?", então a mulher já então acostumada com a falta de interesse do rapaz, para com tudo e todos, responde não mais amigavelmente e seu tom chega a ser hostil "Não, só queria saber se você ainda estava respirando". Dá de ombros e volta a fitar a chuva, e eu me pergunto, será que ele também olha sem realmente enxergar? Talvez ele seja como pessoas iguais à mim, pessoas que de tão sonhadoras e expeculativas que são, chegam a parecer esquizofrênicas e paranóicas; imaginando e criando teorias sobre o mundo - o nosso próprio - fazer um outro tipo de rotação em algum outro sistema no qual o Sol não é uma estrela nem o centro de tudo. Pensando bem não há e nunca haverá uma estrela, nesse mundo só há nós mesmos no centro de tudo, somos o sol e é você quem seguirá uma órbita à nossa volta. Egoísmo? Não, acredito que não, talvez algum especialista em determinada área de saúde deva explicar bem que tipo de pessoas somos.

Ele continua a olhar intensamente a chuva não mais tão forte como antes e eu continuo a observá-lo.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...