domingo, 26 de agosto de 2012

Fernando Meirelles - 360

POSTAGEM ORIGINAL DE 26/08/2012.

Imagem: Reprodução
360
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Peter Morgan
Ano: 2012/Reino Unido, Áustria, França, Brasil
Gênero: Drama
Elenco: Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz, Ben Foster, Vladimir Vdovichenkov, Maria Flor, Lucia Siposová, Gabriela Marcinkova, Johannes Krisc, Dinara Drukarova, Jamel Debbouze, Juliano Cazarré

Sinopse: Inspirado em "La Ronde", clássica peça de Arthur Schnitzler, 360 é uma reunião de histórias dinâmicas e modernas, passadas em diversas partes do mundo. Laura é uma mulher que deixou a vida na terra natal para tentar a sorte em Londres ao lado do namorado Rui. Ao descobrir que o parceiro está tendo um caso com Rose, ela decide voltar para o Brasil. Na volta pra casa, ela ela conhece um simpático senhor e Tyler, duas pessoas em momentos difíceis em suas vidas. Num outro lado da história, Mirka é uma jovem tcheca quecomeça a trabalhar como prostituta para juntar dinheiro. Ao mesmo tempo, lida com a desaprovação da irmã Anna. O primeiro cliente de Mirka é Michael, que por sua vez é casado com Rose.

Foto: Maiara Alves

Opinião: Simplesmente o melhor filme do ano, até agora. Um círculo de pessoas intimamente interligadas que não fazem idéia do qual próximas são e de como seus atos interferem diretamente na vida destas. É o meu tipo de filme preferido, na verdade, e sou suspeitíssima pra falar de qualquer drama que envolva relacionamentos conjugais e extraconjugais bem fotografados e com uma trilha sonora incrível (que até agora não achei pra baixar, aliás). Sabia que 360 iria se tornar um dos meus filmes preferidos do gênero juntamente com Closer, Match Point, Unfaithful e outros.

Não sei por onde começar... bom, a quote inicial tenta definir mais ou menos o ritmo do filme: "Um Sábio disse uma vez, se existe uma bifurcação na estrada, siga-a. Ele só esqueceu de avisar que caminho escolher." Talvez não saibamos ou tenhamos a devida consciência do quanto as nossas (significativas ou irrelevantes) escolhas e atitudes interferem na vida daqueles que estão ao nosso redor e até de quem não estão, mas que, como o filme mostra, são diretamente afetados por elas. Um outro filme que ilustra, em parte, essa problemática é Match Point onde não só a sorte ou o acaso dita o destino, mas principalmente as escolhas baseadas ou não no caráter e na ética dos personagens. Mas o mais incrível mesmo é como a nossa vida está interligada à de "estranhos" e como estamos presos ou destinados a viver em circulos.

Imagem: Reprodução
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Mirka quase teve como cliente Michael, que é marido de Rose e Rose amante de Rui. Rui é namorado de Laura que, no caminho de volta pra casa, conhece Tyler e John. John esbarra com Tyler, que esteve ligado à Laura, e com Valentina que é casada com Serguei mas apaixonada por Argelino. Serguei, por sua vez, conhece Anna que é irmã de Mirka que quase foi cliente de Michael... é uma representação do que penso da vida: de que estamos presos em um grande círculo dentro de vários outros círculos que periodicamente se esbarram, se encontram, se repetem e que, não importa o quanto a gente mude ou o quão radicais sejam essas escolhas, nós sempre voltamos para o mesmo lugar e estamos fadados a repetir quase que totalmente o mesmo ciclo. Um bom exemplo disso é a própria História que não acontece de forma linear, em ordem e progresso, mas de forma complexa, com muitas permanências apesar dos dominantes buscarem enxergar falsas rupturas.

A trilha sonora e a fotografia são os aspectos mais incríveis - além da história - e é o que diferencia 360 e Closer dos poucos outros filmes que já vi do gênero. Espelhos, close-ups, uso de luz "natural", objetos fotografados e a fantástica e perfeita (não consigo parar de elogiar haha) trilha sonora só contribuem para contar a história desse círculo. Gostei de Fernando Meirelles em Ensaio Sobre a Cegueira  (único filme além de 360 dele que conheço) por causa da universalidade dos temas, e nesta produção ela é ainda melhor apresentada que no seu trabalho anterior pois, de início, não dá pra identificar onde as histórias se passam e esse fato, além de ilustrar bem os problemas de qualquer relacionamento em qualquer lugar do mundo, trouxe uma naturalidade à história e mostrou uma Europa muito mais interessante que a de Allen, por exemplo. Enfim, não vejo a hora de estudar filosofia e psicologia pra tentar descrever minhas teorias (e meus livros) sobre o homem/mulher em si - e não suas obras como Frebvre disse.

Ps: Anna estava lendo Anna Karenina quando conhece Serguei.
Ps²: Jude Law ♥.

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sábado, 25 de agosto de 2012

Breno Silveira - À Beira do Caminho

 Imagem: Reprodução
À Beira do Caminho
Direção: Breno Silveira
Roteiro: Patrícia Andrade
Ano: 2012
Gênero: Drama
Elenco: João Miguel, Dira Paes, Vinicius Nascimento, Ludmila Rosa, Denise Weinberg, Ângelo Antônio

Sinopse: Para fugir dos traumas do passado, o caminhoneiro João resolve deixar sua cidade natal para trás e cruzar o país. Ele dirige Brasil afora, sempre solitário, até que numa de suas viagens descobre que o menino Duda se escondeu em seu caminhão. Duda é órfão de mãe e está à procura do pai, que fugiu para São Paulo antes mesmo dele nascer. A contragosto, João aceita levá-lo até a cidade mais próxima. Entretanto, durante a viagem nascem elos entre os dois, que faz com que João tenha coragem para enfrentar seu passado.

Foto: Maiara Alves
Opinião: Road movie brasileiro que encanta e emociona, ao mesmo tempo que é original e cai nos clichês. Mais que brasileiro, filme quase unicamente baiano com o adorável João Miguel e o fofíssimo Vinícius Nascimento, tendo como locações as estradas asfaltadas baianas e as cidadezinhas (mui charmosas, por sinal) da Bahia. O ingresso vale pelo charmosíssimo João Miguel, pela trilha sonora e, principalmente, por contar uma história que fica na memória e faz questionar nossas escolhas.

Antes de qualquer coisa, vou alfinetar: deve dar um trabalho do caramba fazer road movie no Brasil. Com toda falta de estrutura das estradas, segurança, sinalização e etc., etc., a tentativa corre o risco do filme ser classificado pra categoria de ficção científica haha. De qualquer forma, achei que ficou bem original por mostrar superficialmente o popular brasileiro nos cenários, nas locações, nos objetos, nas frases de caminhão, na trilha sonora e outros aspectos. Em suma, seria quase original não fosse os clichês de final feliz, homem amargurado por escolhas e conseqüências desagradáveis do passado, a tentativa falha de tentar prender o expectador contando o passado aos poucos (não sei o nome técnico disso, só sei que Almodóvar é o único que faz isso sem parecer proposital). Mas apesar das pieguices da história, João Miguel parece ter nascido pra fazer o atormentado João. Sou suspeita pra falar dele, me apaixonei à primeira vista pela sua voz e sua barba em Xingu e, desde então, me disponho a ver e aplaudir qualquer coisa que faça haha.

O que faz o filme original, além de mostrar superficialmente o popular brasileiro no que concerne à vida ou rotina de um caminhoneiro nas estradas e cidades do interior do Brasil, é a trilha sonora absolutamente fantástica, simples e nostálgica à qualquer expectador brasileiro. É impossível não cantar junto pelo menos alguma das músicas - muito bem colocadas no decorrer do filme, por sinal - ou se identificar com o momento na história do filme onde ela é inserida. Simplesmente amei e espero ver mais trabalhos como este nas produções audiovisuais brasileiras, principalmente no cinema, uma vez que as telenovelas que contavam esses tipos de história hoje mudaram o perfil.

Imagem: Reprodução
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sábado, 18 de agosto de 2012

José Walter Lima e Carlos Vasconcelos Domingues - Antônio Conselheiro, O Taumaturgo dos Sertões

Imagem: Google Imagens/Reprodução
Antônio Conselheiro: O Taumaturgo dos Sertões
Direção: José Walter Lima e Carlos Vasconcelos Domingues
Roteiro: José Walter Lima e Carlos Vasconcelos Domingues
Ano: 2012
Gênero: Drama
Elenco: Carlos Petrovich, Harildo Deda, Leonel Nunes, Wilson Melo, Álvaro Guimarães, Chico Drumond

Sinopse: Em 1897, o governo republicano enviou para Canudos três expedições do exército, derrotadas por Antônio Conselheiro. Na quarta expedição, o exército conseguiu exterminar quase toda a comunidade.

Foto: Maiara Alves
Opinião: (...) e ninguém que saber da História da Bahia dizia um homem de meia-idade à sua companheira ao subir pra sala número onze onde, até a última quinta-feira, estava sendo exibido o mais novo filme sobre o massacre de Canudos. O filme em questão quase não parece filme, comparado aos padrões atuais, mas vale o ingresso por contar um dos episódios mais marcantes da História da Bahia e do Brasil e, principalmente, por ter sido exibido em um shopping popular - apesar de não ter tido o mesmo público que o blockbuster exibido na sala ao lado.

Walter Lima e Vasconcelos Domingues conseguiram, com os poucos recursos e com todos os contratempos/problemas/imprevistos, transpôr em imagens uma visão interessante de Os Sertões, de Cunha, do massacre em si e do profeta, do idealizador: Antônio Conselheiro. Na primeira cena, vemos um homem falando eloquentemente sobre o sertão e as condições (a falta de) de vida nele. O interessante é que os diretores conseguiram, aparentemente, mesclar os dois primeiros capítulos de Os Sertões: "a terra" e "o homem"; o dito cujo se camufla na paisagem ilustrando a impressão que tive ao ler o livro, de não saber o quanto a terra interferiu no homem e o homem na terra. A primeira cena ilude quanto ao resto do filme que conta com péssimos atores, péssimo roteiro, péssima edição, defeitos especiais e várias falhas técnicas mas, quando tudo parece ir por água abaixo, uma personagem faz o público rir horrores com uma série de "e eu sei" em plena degolação de prisioneiro por membros do exército do governo.

Mas o bom mesmo, apesar de contar a passagem mais incrível e fascinante da História da Bahia/Brasil, é a imagem granulada e amarelada. A fotografia, em parte, também é interessante e, entre outras coisas que já citei, o filme peca também no figurino incoerente para o contexto e para a situação. Nesse ponto, o filme de Sérgio Rezende (1997) é mais coerente com a verdade. De qualquer forma, como disse, vale a pena conferir pra estimular a produção de filmes regionais sobre história regional, sobre nossa história, e por contar o episódio mais fascinante, incrível e apaixonante da Bahia. 

Imagem: Google Imagens/Reprodução
Imagem: Google Imagens/Reprodução
Imagem: Google Imagens/Reprodução

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domingo, 12 de agosto de 2012

Euclides da Cunha - Os Sertões

Foto: Maiara Alves
Os Sertões
ISBN: 9788520925966
Autor: Euclides da Cunha
Editora: Nova Fronteira/Saraiva de Bolso
Páginas: 598
Gênero: História/Geografia

Sobre: Em estilo épico, Euclides da Cunha criou uma das obras-primas da literatura brasileira, descrevendo as batalhas entre os homens liderados pelo beato Antônio Conselheiro e as tropas do governo. Euclides, testemunha ocular da chamada Campanha de Canudos, narra a luta, observa a terra e analisa o homem num belo relato que destaca a determinação do sertanejo e busca compreender o fenômeno da liderança exercida por Conselheiro sobre milhares de pessoas.

Opinião: O ano é 1987. O carioca Euclides da Cunha é enviado pelo jornal paulista, O Estado de São Paulo, para acompanhar o conflito de Canudos, aqui na Bahia. O engenheiro, jornalista, professor, ensaísta, historiador, sociólogo e poeta talvez não soubesse que esse trabalho resultaria em um dos melhores livros da literatura brasileira e que marcaria seu nome para sempre na História do Brasil. Este fato ilustra a noção que defendo com vigor: nada é por acaso. Mas acima de tudo, Os Sertões apresentou ao Brasil o sertanejo, o homem que foi guardado pela condição de seu meio, pela natureza, e que representa a verdadeira nacionalidade brasileira.

Dividido em oito capítulos ("A terra"; "O homem"; "A luta"; "Travessia do Cambaio"; "Expedição de Moreira César"; "Quarta expedição"; "Nova fase da luta"; "Últimos dias"), Cunha descreve não só a Campanha de Canudos, como também a terra e o homem que o centro político-econômico do Brasil recém inaugurada República ignorava até então. É um registro das consequências que o golpe republicano causou nos grupos sociais, onde a nova situação do país apenas agravaram-lhe o sofrimento causado pela situação climática. Entre outras coisas, é também uma aula de português: a escrita de Euclides da Cunha é impecável e, para o leitor atual, rende uma quantidade vergonhosa de consultas ao dicionário. Há inúmeras discussões e análises ao longo dos cento e doze anos em que o livro foi para as prateleiras de livrarias e bibliotecas (e para as nossas), cada qual de acordo com o assunto em pauta do momento, a política vigente e a orientação e interesse político-ideológico de quem o analisa. Destaco, obviamente, o segundo capítulo, "o Homem", no qual Cunha descreve as interferências do clima, da terra, da situação política, da colonização e povoamento e do sertão em si, no homem que habita esta terra inóspita.

O sertanejo é, antes de tudo, um forte (p. 118). É uma das citações mais famosas e tem sido muito utilizada este ano por conta do centenário de nascimento de Luiz Gonzaga. Mas há cento e dez anos, Euclides da Cunha, a partir da observação do genocídio ocorrido em Canudos, assim descreveu o homem que sobrevivia [nos] dias claros e quentes, dos firmamentos fulgurantes, do vivo ondular dos ares em fogo sobre a terra nua (p. 139) esquecido desde o início por seus governantes e pelo resto do mundo. Esquecido pois, desde seu povoamento ainda no século XVI, o local que atualmente denominamos de sertão, foi utilizado e "povoado" com o objetivo de expandir a criação de gado que alimentaria a população do litoral e que tinha grande serventia no cultivo da cana-de-açúcar. Sabemos que nosso país não foi descoberto e que haviam povos em todo o continente com cultura e modo de vida próprios, e para a criação de gado, assim como no litoral para o cultivo da cana-de-açúcar no século XVI e XVII, milhões desses povos foram cruelmente assassinados por causa da acumulação de capital que enriqueceu a metrópole e seus aliados e que nos empobreceu e resultou nessa vida miserável. Dois séculos depois, Euclides da Cunha documenta em Os Sertões o modo de vida do homem resultado da miscigenação entre os povos originários (os "índios), o africano que criou o gado e cultivou a cana e o colonizador: o sertanejo é consequência da mistura entre o algoz, a vítima e fruto da natureza cruel.

Assim como os povos originários (os "índios") foram assassinados nos séc. XVI e XVII no povoamento do interior do país, do sertão, os sertanejos que sofriam com a seca e com o esquecimento das instituições governamentais, e decidiram seguir aquele que lhes profetizava um país melhor, Antônio Conselheiro, também foram dizimados no fim do séc. XIX em prol dos interesses daqueles que deveriam lhe proteger, em prol do Estado. As coisas realmente não mudam, permanecem de fato com pouca diferença. Além de descrever a miscigenação do sertanejo, ainda nos moldes do darwinismo social, Cunha observou que esse povo é antes de tudo, forte, pois em meio ao abandono, a agressividade do meio ele resiste e luta bravamente até seu limite. A descrição do homem e da terra é apaixonante, não tem nada de pomposo - e se assim parece, considero que o esmero é por afeição específica à este trabalho.

É um clássico, nem se eu passasse o resto da vida lendo e escrevendo sobre essa obra de Cunha e sobre o próprio autor não conseguiria fazer uma análise satisfatória de ambos, mas o recomendaria sobretudo àqueles que tem curiosidade sobre a formação da nacionalidade brasileira e pra desconstruir a colonização cultural da qual somos vítimas. O sertão é apaixonante, os sertanejos são a essência do nosso povo e espero que um dia todos percebam a importância e dêem o merecido valor à eles.

Quotes
Delinearam-nos os que se afoitaram primeiro com as vicissitudes de uma entrada naquelas bandas. E persistem indestrutíveis, porque o sertanejo, por mais escoteiro que siga, jamais deixa de levar uma pedra que calce as suas junturas vacilantes. (p. 29)
Nem um verme - o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria - lhe maculara os tecidos. (p. 43)
Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estoneia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o trai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e desdobrase-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto isolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante... (p. 50)
É a árvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Representa o mais frisante exemplo de adaptação da flora sertaneja. (p. 57-58)
E o sertão é um paraíso... (p. 59)
E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono. (p.62)
Vinham esparsas, parceladas em pequenas levas de degregados ou colonos contrafeitos, sem o desempenho viril dos conquistadores. (p. 95)
O meio atraía-os e guardava-os. (p. 105)
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. (p. 118)
A luta pela vida não lhe assume o caráter selvagem da dos sertões do Norte. Não conhece os horrores da seca e os combates cruentos com a terra árida e exsicada. Não o entristecem as cenas periódicas da devastação e da miséria, o quadro assombrador da absoluta pobreza do solo calcinado, exaurido pela adustão dos sóis bravios do equador. Não tem, no meio das horas tranquilas da felicidade, a preocupação do futuro, que é sempre uma ameaça, tornando aquela instável e fugitiva. Desperta para a vida amando a natureza deslumbrante que o aviventa; e passa pela vida, aventureiro, jovial, diserto, valente e fanfarrão, despreocupado, tendo o trabalho como uma diversão que lhe permite as disparadas, domando distâncias, nas pastagens planas, tendo aos ombros, palpitando aos ventos, o pala inseparável, como uma flâmula festivamente desdobrada. (p. 121)
Atravessou a mocidade numa intercadência de catástrofes. Fez-se homem, quase sem ter sido criança. Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nas horas festivas da infância, o espantalho das secas do sertão. Cedo encarou a existência pela sua face tormentosa. É um condenado à vida. Compreendeu-se envolvido em combate sem tréguas, exigindo-lhe imperiosamente a convergência de todas as energias. Fez-se forte, esperto, resignado e prático. Aprestou-se, cedo, para a luta.  (p. 122)
A terra é o exílio insuportável, o morto um bem-aventurado sempre. (p. 145)
Espécie de grande homem pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no misticismo doentio todos os erros e superstições que formam o coeficiente de redução da nossa nacionalidade. (p. 177-178)
Ao passo que as caatingas são um aliado incorruptível do sertanejo em revolta. Entram também de certo modo na luta. Armam-se para o combate; agridem. Trançam-se, impenetráveis, ante o forasteiro, mas abrem-se em trilhas multívias, para o matuto que ali nasceu e cresceu. E o jagunço faz-se o guerrilheiro-tugue, intangível... As caatingas não o escondem apenas, amparam-no. (p. 234)
O exército sente na própria força a própria fraqueza. (p. 238)
Cercam-lhe relações antigas. Todas aquelas árvores são para ele velhas companheiras. Conhece-as todas. Nasceram juntos; cresceram irmãmente; cresceram através das mesmas dificuldades, lutando com as mesmas agruras, sócios dos mesmos dias remansados. (p. 239)
Quase sempre, depois de expugnar a casa, o soldado faminto não se forrava à ânsia de almoçar, afinal, em Canudos. Esquadrinhava os jiraus suspensos. Ali estavam carnes secas ao Sol; cuias cheias de paçoca, a farinha de guerra do sertanejo; aiós repletos de ouricuris saborosos. (p. 322)
A correria do sertão entrava arrebatadamente pela civilização adentro. E a guerra de Canudos era, por bem dizer, sintomática apenas. O mal era maior. Não se confinara num recanto da Bahia. Alastrara-se. Rompia nas capitais do litoral. O homem do sertão, encourado e bruto, tinha parceiros por ventura mais perigosos. (p. 346)
E os infelizes baleados, mutilados, estropiados, abatidos de febres, começaram a viver da esmola incerta dos próprios companheiros...  (p. 417)
E sobre tudo aquilo uma monotonia acabrunhadora... A sucessão invariável das mesmas cenas no mesmo cenário pobre, despontando às mesmas horas com a mesma forma, davam aos lutadores exaustos a impressão indefinível de uma imobilidade no tempo. (p. 423)
Há nas sociedades retrocessos atávicos notáveis; e entre nós os dias revoltos da República tinham imprimido , sobretudo na mocidade militar, um lirismo patriótico que lhe desequilibrara todo o estado emocional, desvairando-a e arrebatando-a em idealizações de iluminados. A luta pela República, e contra seus imaginários inimigos, era uma cruzada. Os modernos templários se não envergavam a armadura debaixo do hábito e não levavam a cruz aberta nos copos da espada, combatiam com a mesma fé inamolgável. (p. 446)
Torturavam-nos alucinações cruéis. A deiscência das vagens das caatingueiras, abrindo-se com estalidos secos e fortes, soava-lhes feito percussão de gatilhos ou estalhos de espoleta, dando a ilusão de súbitas descargas de alguma algara noturna repentina (...). (p. 460)
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