segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Meu Amor - André Newmann



É de dar vergonha tanto amor. É latifúndio coronário, monocultura cardíaca – como um país inteiro plantado aos pés dela. O delírio repetindo igualzinho. Você me emociona. Parece feita de terra. Tudo é verdade começando por você, quando você se coloca na frente – como se a janela compreendesse a moldura e a paisagem, então, onde quer que você a coloque, terá sempre a mesma visão. Promete que entende tudo o que eu digo? E por detrás desse jeito de menina selvagem, mas menina, mas selvagem, vê-se o vulcão. Por isso ao seu lado faz calor. Por mim o mundo não vivia. O mundo pode espernear à vontade. Eu ainda vou fazer uma canção pra você. Vou apontar e te dizer, “olha que lindo!” e você vai sorrir pra mim, olhando nos meus olhos sem nem se importar com o que eu estou apontando. Você é a coisa mais bonita que eu já vi. Você e o mar, mas o mar é mulher e mulher só você. Essa frase é da nossa canção. Quero te ver feliz. Matar e morrer com você pra você por você. Em um dos nossos primeiros encontros te dei um livro. Queria te mostrar como é violento você existir. Meu olho dói quanto te vê. Pensei em comprar um machado, um guindaste, um viaduto. Vou te morder os dentes. Pensa em mim pra eu existir. Eu poderia passar o resto da vida acreditando em você e te dizendo “vai…”, “vai lá ver como é…”. Não comprei machado, nem bigorna ou trator, mas te dei o livro. Te dei o livro e escrevi no fim desse texto:

A MULHER E SEU PASSADO
Rubem Braga em A Traição das Elegantes

Ela conta a história de uma freira que a atormentava no internato em seu tempo de menina; de um homem que a fez viver longamente entre o desespero e o tédio, a revolta e a humilhação. E fica meio magoada porque a tudo eu sorrio, porque eu não pareço participar do sentimento com que ela fala contra essa gente que passou. Afinal ela também sorri: “Você é meu amigo ou amigo da onça?”

Sou seu amigo. Mas rico ri à toa, e eu me sinto vertiginosamente rico porque essas histórias, alegres ou tristes, ela me conta de mãos dadas, junto de mim. Digo-lhe isso; mas não lhe confesso que aprovo e abençôo todas as coisas e pessoas que povoaram seu passado e tenho vontade de dizer:

“Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranqüilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: “moça linda…”; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu.”  

Livia,
com amor,
André




Tem como não amar? O mais legal é que eu imagino e ouço o Michel Melamed lendo. Michel seu lindo, casa comigo?

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