sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus J. M. de Carvalho - O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c. 1822 - c.1853)

Foto: Maiara Alves



O Alufá Rufino: Tráfico, Escravidão e Liberdade no Atlântico Negro (c. 1822 - c.1853)
ISBN: 9788535917369
Autor(es): João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus J. M. de Carvalho
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 520
Gênero: História do Brasil/Escravidão e Liberdade


Sobre: Nascido no antigo reino africano de Oyó, escravizado na adolescência por um grupo étnico rival, adquirido por traficantes brasileiros e levado para Salvador da Bahia, o protagonista destas fascinantes páginas da história do Brasil teve sua biografia dividida pelo oceano. A vida de Rufino José Maria foi plena de aventuras e desventuras. Após conseguir sua alforria, foi cozinheiro assalariado de navios negreiros e, na maturidade, tornou-se alufá, espécie de guia espiritual da comunidade de negros muçulmanos no Recife. O livro demonstra como o tráfico e a escravidão moldaram de modo decisivo este personagem e o mundo em que ele viveu.

Opinião: Um dos livros de Escravidão e Liberdade e História do Brasil mais fascinantes da nossa historiografia e uma das poucas produções bibliográficas que conseguem enaltecer de uma forma brilhante seu conteúdo. Tráfico e escravidão não são meu forte, na verdade não tenho condições emocionais alguma de estudar qualquer tipo de escravidão, principalmente a moderna, mas devido ao nosso ilustre historiador baiano, João José Reis, ainda lerei muitos livros sobre o tema - mesmo porque é necessário compreender essa passagem da nossa história. A forma como os autores contam o tráfico e a escravidão na primeira metade do XIX é incrível: a partir de resquícios de documentos que mostram os itinerários de um ex-escravo nagô que integra o comércio transatlântico de escravos, os autores investigam como se dava o tráfico no XIX, quando o governo inglês reprimia de todas as formas o tráfico e, consequentemente, a escravidão. Vemos também o relato incrível de uma empresa de tráfico ilegal de escravos, que burlava a vigilância e leis dos governos do Brasil e Inglaterra. A micro-história é uma das abordagens mais fascinantes e bem elaborada para se escrever história: é uma linguagem cinematográfica da escrita.

Publicado em 2010 pela Companhia das Letras, a biografia de Rufino e os relatos do tráfico, escravidão e liberdade na primeira metade do séc. XIX, foi escrita por três pesquisadores especialistas no assunto: João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus J. M. de Carvalho que pesquisam o tema, especificamente, na Bahia, Rio de Janeiro e Recife, respectivamente - locais no qual Rufino deixou sua marca. O livro foi escrito sob a perspectiva da micro-história, uma abordagem que, a partir de um personagem ou um objeto específico, relata-se além de sua particularidade, o contexto sócio-histórico em que está incluso. É como se, a partir de uma garrafa/lata de coca-cola, além de contar a história de sua criação e "evolução", pode-se relatar também o imperialismo estadunidense, a crise de 1929, primeira e segunda guerras mundiais, guerra fria e parte da história econômica e ideológica do séc. XX, na qual a marca de refrigerante está inserida. O livro é dividido em três partes, onde a partir da saída de Rufino do Benim, na África (entre 1822-23), até sua estadia no Recife (1853), ou seja, aproximadamente 31 (trinta e um) anos dos itinerários de Rufino e do comércio transatlântico de escravos. 

Na primeira parte do livro, os autores relatam a saída de Rufino do Benim, no continente africano, sua chegada à Bahia durante as lutas pela Independência em 1822-23, sua ida para Porto Alegre onde é alforriado, assim como sua tentativa falha de estabelecer-se no Rio de Janeiro, onde se vê obrigado a integrar o tráfico negreiro como alternativa de fugir da repressão na província do Rio de Janeiro à escravos e ex-escravos nagôs. A segunda parte é a mais interessante e fascinante do livro, pois a partir dos itinerários de Rufino, os autores encontram peças de um enorme quebra-cabeça onde está registrada a existência de verdadeiras empresas de tráfico de escravos em plena luta jurídica e "bélica" inglesa pelo fim da escravidão. Após chegar ao Brasil como escravo, ser alforriado, trabalhar no tráfico de escravos entre o Brasil e a costa leste da África como comerciante e cozinheiro nas embarcações, Rufino retorna ao Brasil passando a atuar como Alufá, um guia espiritual do "afro-islamismo-brasileiro" em Recife, na terceira parte do livro. Fiz um resumo bem medíocre, obviamente o livro é muito mais grandioso no qual, a partir da minuciosa investigação dos historiadores, descobrimos o subterrâneo das relações sócio-econômicas que envolvia o Brasil, os países da costa leste africana e o tráfico transatlântico de escravos e comércio de especiarias. 

A obra é a ilustração do quão importante e fascinante é o trabalho do historiador. A partir dos relatos do interrogatório do apresamento da embarcação Ermelinda e das duas prisões de Rufino, os autores têm suas primeiras peças da vida de Rufino após sua chegada no Brasil e o comércio de escravos e especiarias dentro destes trinta e um anos. É um trabalho de investigação, uma peça aqui e ali, na qual com muita dedicação tenta-se reconstruir o mais fidedignamente possível uma das mais importantes páginas da história do Brasil e da África. O quebra-cabeças ainda tem muitos vácuos, mais vácuos do que peças completas, porém este trabalho é uma forma de incitar novos pesquisadores de tráfico negreiro, assim como mais abordagens utilizando a micro-história. Gostei mais que tudo desta última parte, da estrutura que os autores utilizaram para relatar suas investigações, me inspirou, na verdade a buscar sempre mais e mais fontes, mais leituras, etc. Sublinhei poucas passagens, pois o li para apresentar um seminário e não como costumo ler. 

Quotes

A década de 1820, sobretudo sua segunda metade, foi o momento de mais alto pico do tráfico para a Bahia no século XIX. (p. 35)
Como podes negar um amor quando dão testemunho dele contra ti provas irrefutáveis de lágrimas e esgotamento? O amor apaixonado lavrou duas linhas com pranto e moléstia. Sim, visitou-me à noite o fantasma daquela que amo e me deixou insone. O amor mescla prazeres com dor. (p. 58-59)  
O cozinheiro de um navio negreiro, em suma, era um dos principais responsáveis - talvez mais do que o cirurgião, quando existia um abordo - pela manutenção da taxa de sobrevivência dos cativos dentro de margens aceitáveis de lucro. (p. 102) 

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