sábado, 28 de maio de 2016

Eduardo Galeano - As Veias Abertas da América Latina

Foto: Maiara Alves
As Veias Abertas da América Latina
ISBN: 9788525420817
Autor: Eduardo Galeano
Editora: L&PM
Páginas: 400
Gênero: História/Geografia

Sobre: No prefácio escrito em agosto de 2010, especialmente para esta edição de As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano lamenta "que o livro não tenha perdido a atualidade." Remontado a 1970 sua primeira edição, atualizada em 1977, quando a maioria dos países do continente padecia facinorosas  ditaduras, este livro tornou-se um autêntico "clássico literário", um inventário da dependência e da vassalagem de que a América Latina tem sido vítima, desde que aqui aportaram os europeus no final do século XV. No começo, espanhóis e portugueses. Depois vieram ingleses, holandeses, franceses, modernamente os norte-americanos, e o ancestral cenário permanece: a mesma submissão, a mesma miséria, a mesma espoliação.

Opinião: Todo cidadão latino-americano devia ter As Veias Abertas da América Latina como livro de cabeceira. Neste livro, o jornalista uruguaio Eduardo Galeano conta como a América Latina, desde a invasão européia até a presente data (uma vez que o livro, de acordo com o próprio autor, não perdeu a atualidade), foi e é impiedosamente explorada em prol do desenvolvimento dos colonizadores modernos e contemporâneos. Trata-se de uma reflexão a cerca do papel da nossa região político-econômica no mundo, e de como os interesses desses estados-nações interferiram na vida de milhões de seus nativos desde o século XVI.

O li nas férias de Julho, por recomendação do meu professor de América para a disciplina de Revoluções e Ditaduras na América Latina e Caribe, mas é um livro que tem que ser lido por todos nós, cidadãos latino-americanos e também pelos estadunidenses e europeus, pois são uma parte de nossos algozes. A partir da ótica marxista, tendo como base obviamente a perspectiva político-econômica, Galeano conta com,o desde a invasão européia, a América Latina é explorada em prol, inicialmente, da acumulação primitiva de capital, o mercantilismo, e posteriormente pelo imperialismo, a partir do séc. XIX. De acordo com historiadores, o termo "América Latina" foi utilizado primeiramente por Napoleão III, na segunda metade do século XIX, para designar os países da América que falavam línguas derivadas do latim, ou seja, os países que foram colônias de Portugal e Espanha. Mas, apesar de haver países que foram colônias francesas também ao norte, o termo, no séc. XX, passou a denominar a região que abarca desde o México ao Cabo Froward, extremo sul da América. A discussão do significado do termo América Latina é extensa e muito interessante, Galeano a utiliza no sentido econômico e sócio-histórico.

Textos históricos costumam seguir uma cronologia: Galeano não o faz, porém mesmo indo e vindo entre os séculos,

Quotes
Segundo a voz de quem manda, os países do sul devem acreditar na liberdade de comércio (embora não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa), em atrair investimentos ( embora sejam indignos) e em entrar no mundo (embora pela porta de serviço). (p. 5)
Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. (p. 6)
Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta. (p. 17)

Mas aqueles que ganharam  só puderam ganhar porque perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já foi dito, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. (p. 19)
O sistema é muito racional do ponto de vista de seus donos estrangeiros e de nossa burguesia comissionista, que vendeu a alma ao Diabo por um preço que deixaria Fausto envergonhado. (p. 21)
Os índios das Américas somavam não menos que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões. (p. 64)
Ocorre que, quanto mais ricas são essas terras virgens, mais grave se torna a ameaça que pende sobre suas vidas; a generosidade da natureza os condena à espoliação e ao crime. (p. 78)
Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a desgraça que o produto causa ao povo latino-american que com sacrifícios o cria. (p. 93)  
Havana resplandecia, zumbiam os cadilaques em suas suntuárias avenidas, e no maior cabaré do mundo, ao ritmo de Lecuona, ondulavam as mais formosas vedetes; Enquanto isso, nos campos cubanos apenas um em cada dez trabalhadores rurais tomavam leite, apenas 4 por cento comia carne, e sgundo o Conselho Nacional de Economia, três quintas parte dos trabalhadores rurais recebiam salários três ou quatro vezes inferiores ao custo de vida. (p. 116)
O banho de sangue coincidiu com um período de euforia econômica da classe dominante: é lícito confundir a prosperidade de uma classe com o bem-estar de um país? (p. 149) 
Em geral, e muito especificamente na Guatemala, essa estrutura de apropriação da força de trabalho mostra-se identificada com todo um sistema de preconceito racial: os índios são vítimas do colonialismo interno de brancos e mestiços, ideologicamente abençoado pela cultura dominante, do mesmo modo que os países centro-americanos padecem do colonialismo estrangeiro. (p. 154)
A América Latina teve em seguida suas constituições burguesas, muito envernizadas no liberalismo, mas não teve, em troca, uma burguesia criativa, no estilo europeu ou norte-americano, que assumisse como missão histórica o desenvolvimento de um capitalismo nacional pujante. As burguesias destas terras nasceram como simples instrumentos do capitalismo internacional, prósperas peças da engrenagem mundial que sangrava as colônias e as semicolônias. (p. 167)
Embora as estatíticas internacionais sorriam exibindo médias enganosas, a verdade é que o ensopado, guisado de macarrão e tripas de capão, constitui a dieta básica, carente de proteínas, dos camponeses do Uruguai.  (p. 173)

Porque o campo não é tão só uma sementaria de pobreza: é também uma sementaria de rebeliões, embora as agudas tensões sociais amiúde se ocultem, mascaradas pela aparente resignação das massas. (p. 183)
Os colonos da Nova Inglaterra, núcleo original da civilização norte-americana, não atuaram nunca como agentes coloniais da acumulação capitalista europeia; desde o princípio viveram a serviço de seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento de sua nova terra. (p. 189)
 Na América Latina é normal: sempre se entregam os recursos em nome da falta de recursos. (p. 197)
O desenvolvimento é uma viagem com mais náufragos que navegantes. (p. 243)
"No momento da emancipação, as colônias espanholas se tornaram uma espécie de colônias inglesas." (p. 278)
E comprovar que este novo modelo de imperialismo não torna suas colônias mais prósperas, conquanto enriqueça seus polos de desenvolvimento; não alivia as tensões sociais regionais, ante as agrava; dissemina ainda mais a pobreza e concentra ainda mais a riqueza: paga salários vinte vezes menores do que em Detroit e estipula preços três vezes maiores que em Nova York; torna-se dono do mercado interno e das etapas cruciais do aparelho produtivo; apropria-se do progresso, decide seus rumos e lhe fixa as fronteiras; dispõe do crédito nacional e orienta a seu talante o comércio exterior; não só desnacionaliza a indústria como também os lucros que a indústria produz,; estimula o desperdício de recursos ao desviar para o exterior parte substancial do excedente econômico; não emprega capitais no desenvolvimento, antes os subtrai. (p. 292)
(...) a cidade torna os pobres ainda mais pobres, pois cruelmente lhes oferece miragens de riquezas às quais jamais terão acesso, automóveis, mansões, máquinas poderosas como Deus e o Diabo, ao mesmo tempo em que lhes nega um emprego seguro, um teto decente para se recolher e pratos cheios na mesa de cada meio-dia. (p. 349)
Em seu estudo do desenvolvimento do subdesenvolvimento do Brasil, André Gunder Frank observou que, sendo o Brasil um país satélite dos Estados Unidos, dentro do Brasil o Nordeste cumpre uma função satélite da "metrópole interna" radicada na região Sudeste. A polarização se torna visível através de numerosos traços: não só porque a imensa maioria dos investimentos privados e públicos se concentram em São Paulo, mas igualmente porque esta cidade gigantesca se apossa também, como por meio de um enorme funil, dos capitais gerados por todo o país, através de um intercâmbio comercial desvantajoso, de uma política arbitrária de preços, de escalas privilegiadas de impostos internos e da apropriação em massa de cérebros e mão de obra capacitada. (p. 351 e 352)
Para que o imperialismo norte-americano possa, hoje em dia, integrar para reinar na América Latina, foi necessário que ontem o Império britânico contribuísse para nos dividir com os mesmos fins. (p. 363) 
A veneração do passado sempre me pareceu reacionária. A direita elege o passado porque prefere os mortos: mundo quieto, tempo quieto. Os poderosos, que legitimam seus privilégios pela herança, cultivam a nostalgia. Estuda-se história como se visita um museu; e essa coleção de múmias é uma fraude. Mentem-nos o passado como nos mentem o presente: mascaram a realidade. Obriga-se o oprimido a ter como sua uma memória fabricada pelo opressor, alienada, dissecada, estéril. Assim ele haverá de resignar-se a viver uma vida que não é a sua como se fosse a única possível. (p. 370 e 371)  
   

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