sábado, 28 de maio de 2016

Tereza Cristina Kirschner - José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: Itinerários de um Ilustrado Luso-Brasileiro

Imagem: Alameda Editorial
José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: Itinerários de um Ilustrado Luso-Brasileiro
Autor(a): Tereza Cristina Kirschner
Editora: Alameda Casa Editorial
Páginas: 351
Gênero: História do Brasil/Ciências Humanas e Sociais/Política

Sobre: Quem foi Cairu? Quem foi esse homem que na juventude andava com roupas rasgadas pelas ruas de Salvador e conseguiu ascender na sociedade hierarquizada do Antigo Regime? São muitas as facetas do desse curioso personagem retratado em José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), estudo da historiadora Tereza Cristina Kirschner. 

Um Ps antes do texto: o "problema" de história é que, para explicarmos um determinado ponto de vista ou evento, temos que nos expandir e explicar o contexto, o processo, assim como vários pontos de vista sobre o ponto de vista/interpretação ou o tal evento. Bom, minha dificuldade no início da faculdade era justamente essa expansão e, para os leigos, falta de objetividade na explicação do assunto, falta de objetividade essa que é apenas, como disse, a explicação do contexto, de um ponto de vista específico e sobre as várias interpretações sobre esse ponto de vista uma vez que a História não é uma verdade absoluta, os historiadores apenas tentam fidedignamente reconstituir os homens numa sociedade historicamente localizada. Então, o texto pode parecer longo e sem objetivo para quem não está acostumado com a História, mas todo o "blá blá blá" (minha família diz que quando começo a falar de história não consigo parar mais haha, escrevo nas provas no mínimo quatro folhas para discorrer sobre um assunto) é para explicar o por quê das atitudes das figuras nos eventos.  


Opinião: Por mais ou menos seis meses trabalhando na Livraria LDM - esquina da Rua da Salete ("da", e não "do"), entre a Piedade e os Barris, onde está localizada a Faculdade Visconde de Cairu -, não tinha idéia de quem e o quê essa figura foi ou por que havia uma faculdade com seu nome. Estudando na Unijorge do Comércio também não fazia idéia, nem conseguia relacionar o bairro com quem foi Cairu e o quê este homem, que recebeu um título de nome Tupi, representa na História do Brasil até ser incubida, no seminário da disciplina Formação da Nacionalidade Brasileira (conhecida como Brasil 2), de falar sobre a influência do Liberalismo Econômico no Processo de Independência do Brasil. 

Li o livro em dois dias, há duas semanas. Antes, é claro, li os três primeiros capítulos do primeiro livro do compêndio A Riqueza das Nações do "pai do liberalismo econômico", Adam Smith, para entender as atitudes de Visconde de Cairu e, não sei se por estar fazendo o curso de Economia Política no Lemarx e assim ter uma base do assunto não senti dificuldade, como muitos apontam, em entender Smith - não sei se a edição que li contribuiu, mas Smith lança sua teoria com exemplos, o que facilita bastante para a compreensão da base teórica do Capitalismo. Aprendi, entre outras coisas, que Economia é muito mais que assistir Conta Corrente ou acompanhar a queda da bolsa ou a inflação no Jornal Nacional, aprendi que estudo no local onde tudo aconteceu nos primeiros 300 anos de Brasil, que Salvador já foi o centro do Império Português e, principalmente, que tenho que comer muita letra antes de lecionar.

Foto: Maiara Alves
O homem que conhecemos como Visconde de Cairu (ou Cayrú/Cayru/Cairú) se chama José da Silva Lisboa, nasceu em Salvador em Julho de 1756 e entrou para a história como, entre outras coisas, o economista do Primeiro Reinado. Estudou em Coimbra, onde foi moldado ideologicamente para servir ao Império Português, participando assim dos principais eventos régios que resultaram na Independência, Independência esta que foi resultado de um longo processo e não apenas de D. Pedro ou da mudança da Corte para o Brasil - aliás, ressalta Kirshcner, de acordo com o historiador Rogério Forastieri é à Silva Lisboa que se deve a comum interpretação de que a vinda da família real para o Brasil "conduziria à independência e à constituição da nação". É como conselheiro de D. João VI, nas medidas régias, que José da Silva Lisboa, influenciado pelo Liberalismo Econômico de Adam Smith, entra para a História da Bahia e do Brasil onde, através dessas medidas tenta civilizar a colônia e fortalecer o Império Português. Silva Lisboa não queria a Independência do Brasil. Sim, é meio contraditório um "ilustrado" e "liberal" ser na verdade um monarquista, e só é possível entender isto considerando o contexto, sua formação e alguns outros fatores.

Imagem: Google Imagens/Reprodução
Um personagem listado entre os malditos da historiografia acadêmica, de acordo com Kirschner. Sérgio Buarque de Holanda e Octávio Tarquínio de Souza o consideram um velho adulador e em matéria teórica um repetidor sem nenhuma originalidade de noções e conceitos sediços.

Quem foi esse homem que na juventude andava com roupas rasgadas pelas ruas de Salvador e conseguiu ascender na sociedade hierarquizada do Antigo Regime? Silva Lisboa nasceu em uma família humilde, numa Salvador onde para estudar, graças as reformas pombalinas onde não mais os jesuítas eram responsáveis pela educação e sim cada família, era necessário ter condições financeiras para pagar professores régios e ir para Universidade de Coimbra - pois, para manter um controle sobre a colônia, a metrópole proibia a criação de faculdades na América portuguesa. Seu pai consegue dinheiro para pagar professores que o preparam para os testes de admissão na Universidade de Coimbra, onde, "embora matriculado na faculdade de Cânones, recebeu, portanto, uma formação em direito natural e direito civil português". É em Coimbra, onde luso-brasileiros e portugueses são moldados ideologicamente a servirem ao Império Português: aprendem a respeitar o Trono e o Altar, a Monarquia e a Igreja em pleno século XVIII onde boa parte da Europa vive as conseqüências da Revolução Francesa.

Em Coimbra, Silva Lisboa foi contemporâneo, entre outros, de José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, José Vieira Couto, Antônio de Moraes Silva, José Arouche Rendon e de seu irmão Balthazar. Embora a Universidade tenha sido "reformada" por Pombal a fim de acompanhar a modernidade das Luzes que se manifestava na Europa, o liberalismo em Portugal foi diferente do liberalismo francês e inglês, assim como em cada país o Iluminismo vai ter sua especificidade - alguns historiadores dizem até que o Iluminismo não é francês, pois, segundo eles, os filósofos parisienses não tinham tanta profundidade e originalidade quanto Goethe, Kant e até mesmo Smith. Em primeiro lugar, segundo meu professor da disciplina Pablo Magalhães (mesmo eu falando informalmente aqui tenho o dever de creditar), o Liberalismo não era ensinado em Coimbra, seus estudantes meio que se envolveram clandestinamente com o liberalismo e, no caso de Lisboa, vai ser estritamente aplicado aqui no Brasil, voltado, no primeiro momento, para o setor político-econômico, e não no liberalismo em si no que consiste as idéias de liberdade de pensamento, religião, imprensa, etc. Formado em Coimbra então, em Leis, Cânones e Filosofia, Silva Lisboa, e outros, estava apto a exercer funções político-administrativas no Império Português e em 1780 retorna à Bahia, ideologicamente formado, pensando como a monarquia portuguesa, para ocupar cargos administrativos na Colônia e posteriormente Império.

Seu primeiro cargo é de professor, logo após de Ouvidor na Comarca de Ilhéus onde ainda não conhecia os princípios da economia política de Adam Smith e onde, após um ano, deixa o cargo porque ao aplicar as leis régias que aprendeu em Coimbra era perseguido pelos senhores proprietários de terras, de escravos e negociantes que tinham seus interesses prejudicados, porém, a Coroa logo tratou de auxiliá-lo (assim como aos outros funcionários régios que também eram perseguidos) e o nomeou professor (o primeiro, aliás) de Língua Grega. Um ano depois, em 1798 é nomeado por D. Rodrigo de Souza Coutinho, o sábio conselheiro, Deputado e Secretário da Mesa da Inspeção da Agricultura e Comércio da Bahia a fim de promover o comércio e a agricultura. É na mesa de inspeção que Silva Lisboa aprende como se dá as relações comerciais na Bahia e esse cargo resulta no livro "Princípios da Economia Política" fortemente influenciado por Adam Smith.

São essas idéias que influenciam José da Silva Lisboa, que tinha o objetivo de com elas promover a civilização e fortalecer o Império Português dos princípios revolucionários franceses e contra Napoleão, principal opositor das monarquias inglesa e portuguesa. Mas vamos do começo, com "Princípios da Economia Política" publicado em 1804 (não sei ao certo se foi o primeiro, se não foi o primeiro foi um dos primeiros livros a serem publicados pela Imprensa Régia) disponível na Brasiliana.

No livro, ele defende abertamente a liberdade de comércio em oposição aos monopólios. Ele cumpria rigorosamente as ordens régias, mas tinha suas próprias idéias a respeito do comércio da colônia, escrevendo então sobre as vantagens da liberdade comercial. Como disse anteriormente, segundo Kirschner, Silva Lisboa criticava a política monopolista do governo, mas não se opôs à monarquia, pois tinha em mente o progresso da nação portuguesa. Para ele e Rodrigues de Brito, economista português e outro crítico, a "nascente economia política possibilitaria o desenvolvimento da colônia" e o livro, mesmo sendo subversivo nesse contexto foi censurado pelo governo.

Influenciado por Smith, Silva Lisboa acreditava que o comércio promove a civilização e a felicidade, a economia política então para ele é a "arte da civilização" - civilização nesse contexto significa suavização dos costumes, aprimoramento da educação, desenvolvimento da polidez, avanço das ciências e das artes... o estágio final de um processo de evolução.Com base nisso, Silva Lisboa apresenta no livro um projeto civilizador para a Colônia que consiste em instrução da população e transição gradual da escravidão para o trabalho livre. Alerta aos leitores sobre a prudência na implantação dessas reformas sócio-econômicas, cabendo a cada província decidir o momento de realização destas. Essas idéias são apenas idéias de como os princípios da economia política de Smith deviam ser implantadas, na prática as coisas eram diferentes pois ainda havia uma forte resistência dos senhores de engenho e escravos - fato é que a abolição da escravidão só aconteceu, oficialmente, em 1888, ou seja, 84 anos depois da publicação de Silva Lisboa.


Uma curiosidade: Em tempos de greve de professores da rede pública de ensino da Bahia, um pequeno histórico sobre a educação não só na Bahia, mas da antiga América portuguesa: Para Luiz dos Santos Vilhena, havia na Bahia no século XVIII (especificamente 1779) "uma verdadeira 'aversão' aos professores". "Os baixos salários, os atrasos constantes nos pagamentos dos ordenados e a falta de material eram fatores que não tornavam atraente a função de professor na Colônia". Braudel explica hahaha.


[texto escrito em abril de 2012]

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